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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

1979 - COLÉGIO VOCACIONAL-SP - 10 anos sem uma escola inovadora Istoé 26/12/1979



COLÉGIO VOCACIONAL-SP
Dez anos sem uma escola inovadora

ISTO É 26/12/1979

A polícia acabou com a experiência na pancadaria

Ângela Ziroldo


                                              Foi a mais importante experiência pedagógica brasileira, em nível médio.
Começou em 1962 em São Paulo, Americana e Batatais, estendendo-se depois para Rio Claro, Barretos e São Caetano do Sul. Mais de 7 mil técnicos em educação passaram por estágios nestes colégios, aprendendo uma maneira nova de ver a educação. E mais de 5 mil alunos – desde os filhos da elite paulistana até os operários em tecelagem de Americana ou do frigorífico da Anglo, em Barretos – passaram pelo processo educativo.
   No dia 12 de dezembro de 1969 policiais invadiram as seis escolas, prendendo professores e pais de alunos, decretando o fim dos colégios vocacionais. Dez anos depois fica fácil perceber por que a experiência foi esmagada. Dentro do panorama do ensino médio brasileiro, os colégios vocacionais eram uma
verdadeira anomalia. Antes havia apenas dois tipos de colégios – os convencionais, que preparavam estudantes para carreiras liberais, e os técnicos, que encaminhavam as crianças de menor poder aquisitivo para o trabalho profissional. O vocacional surgiu para acabar com esse determinismo.
   Luciano Carvalho, secretário da Educação do Estado de São Paulo na época, formou uma comissão de educadores para elaborar um projeto piloto de educação que levasse em conta a vocação do aluno e abrisse as portas da escola para a comunidade e suas aspirações. Maria Nilde Mascellani, pedagoga com dezenas de cursos de especialização que coordenara as “classes experimentais”, germe dos colégios vocacionais, em Socorro, pequena cidade do interior do Estado, foi convidada a participar e se tornaria a coordenadora do SEV (Serviço de Escolas Vocacionais).
   Com pequenos recursos e profissionais especialmente preparados, surgiram então os vocacionais – uma escola diferente em tudo. Os alunos passavam o dia inteiro no colégio. Pela manhã se dedicavam às matérias obrigatórias e à tarde trabalhavam nas áreas de prática comerciais, economia doméstica e artes industriais, segundo sua escolha. Para as escolas eram dotadas de outros equipamentos que não os
convencionais: galpões com tornos mecânicos, salas com máquinas de escrever, salas de música e artes plásticas.

Currículo integrado. Mas o aspecto material não era o mais importante. Ao contrário dos colégios tradicionais, o currículo não era um amontoado de matérias sem ligação entre si. Havia uma integração curricular. Estudos sociais, que não se referia apenas  história e geografia, mas utilizava conceitos de economia e antropologia, determinava um tema que era trabalhado em todas as outras áreas.
   Também se partia da realidade mais próxima do aluno, num processo evolutivo de aprendizagem. No 1º. Ano estudavam-se a comunidade e a cidade onde viviam. Depois o Estado, o país e finalmente o mundo. Tudo a partir de estudos do meio, quando os alunos em equipes faziam entrevistas em residências, casas comerciais, fábricas e clubes.
    “Parece incrível”, conta Armando Figueiredo de Oliveira Neto, 28 anos, aluno da segunda turma do vocacional em São Paulo, “no primeiro ano, para fazer o levantamento da comunidade, fomos descobrir como o IBGE trabalhava, como eram seus questionários”. Esta descoberta da comunidade – no caso, o Brooklin, onde ficava a escola em São Paulo – era reforçada na aula de português, por exemplo, com pesquisa de textos sobre o bairro, entrevistas com escritores que moravam ali. E todas as matérias tinham este sentido integrador.                    Pag 23
   Quando os alunos partiam para estudar o Estado de São Paulo, havia o intercâmbio entre os alunos da capital e do interior
Literatura e impostos. 
Armando participou, na terceira série, de uma viagem a Minas Gerais. “Não era uma excursão. Antes de cada viagem discutiam-se os objetivos, tudo era cuidadosamente planejado pelos alunos e professores”, conta Armando. Em Belo Horizonte as equipes visitaram bibliotecas, bancos, centros de pesquisa, fazendo levantamentos sobre os mais diversos assuntos: impostos, ciência ou literatura. Depois de um programa intenso nas cidades históricas, na gruta de Maquine e na mina de Ouro Velho, História, arte, economia, geologia e antropologia – uma formação interdisciplinar era o resultado final desses vinte dias de estudo do meio. Como o curriculo fugia às regras, vezes os alunos tinham duvidas sobre a espécie de formação que estavam recebendo

Como o currículo fugia às regras, muitas vezes os alunos tinham dúvidas sobre a espécie de formação que estavam recebendo. “Principalmente a partir da terceira série começavam a surgir muitas dúvidas entre nós”, conta Pedro Paulo Manus, assistente de juiz do Tribunal do Trabalho, diretor da Associação de Professores da PUC, aluno da primeira turma do colégio vocacional. “Quando meus irmãos que estudavam em outras escolas perguntavam quantos ossos tem o dedo mínimo, eu me sentia inseguro. Eu não havia aprendido isso e me perguntava se conseguiria sair bem no colegial, que teria que ser feito em outra escola.”
Os alunos do vocacional realmente dispunham de um número menor de informações que os alunos das escolas convencionais.  Pedro Paulo Manus descobriu, entretanto, que isso não era um grande obstáculo. Quando entrou para o curso clássico no Colégio Alberto Conti, apesar de dispor de menores informações que os outros alunos, ele sabia onde procurá-las. Tinha um instrumental de pesquisa, de solução de problemas de que os outros alunos só disporiam na universidade.
Armando concorda com ele: “O método usado no vocacional era socrático, onde se aprendi a partir dos problemas. Havia um nível de discussão que eu jamais encontrei em nenhuma escola. Nós não éramos preparados para entrar na universidade. Eles nos preparavam para a vida”.

Contra o autoritarismo.
Na sala de aula o professor não era um rei, senhor absoluto de todo o saber. Ele podia ser contestado e era com muita freqüência. Não havia autoritarismo, tudo era resolvido através de discussão e cultivava-se o trabalho de equipe eliminando a competição individual e o culto do melhor aluno. O vocacional não se propunha fazer a avaliação apenas das habilidades mentais do aluno, mas de suas aptidões gerais. Além disso havia auto-avaliação e a avaliação pelo grupo. Isso levava os alunos do vocacional a formarem critérios de valoração e julgamento, libertando-os do parecer do professor.
A toda esta concepção de educação juntava-se o cuidado de também envolver os pais no processo educativo. Eles participavam intensamente do colégio vocacional em reuniões e assembléias. Foram também duramente atingidos quando a experiência foi esmagada. Ainda hoje, dez anos depois, o jornalista Armando Figueiredo, em São Paulo, fala com muita mágoa do fim do vocacional. Para ele, a experiência teve que ser extirpada porque uma escola que participava diretamente da vida da comunidade “não servia”. “Ela chocou tanto, com sua resposta inovadora, que foi logo promovida a célula comunista. Sem contar a reação do pessoal da Secretaria da Educação que desde o início se opôs ao projeto. Eles estavam presos em seu imobilismo, acostumados a dar uma aulinha e ir embora.”
Contra os padrinhos. Em 1965 a diretora do colégio vocacional em São Paulo não quis submeter-se a uma ordem do secretário da Educação de arrumar vaga para aluno que ele apadrinhava. Foi então afastada e todos os técnicos do vocacional colocaram seus cargos à disposição. A mobilização dos pais fez com que todos fossem reintegrados. Nos anos seguintes o vocacional encontraria novos rumos, dirigindo-se aos estados mais carentes da população. Em 1967 começaram o curso colegial e o ginásio noturno, este para alunos que trabalhavam. Neste momento a clientela do vocacional começou a mudar, principalmente em São Paulo, onde era, até então, muito procurado por uma elite.
Depois surgiram os cursos experimentais, completamente abertos a comunidade. Nesses cursos, rotativos, com duração de três meses a um ano, ensinava-se aquilo que as pessoas quisessem aprender.

“Foi uma loucura”, conta Maria Nilde Mascellani. “Em uma semana fomos procurados por mais de 1.500 candidatos que queriam aprender desde economia doméstica, desenho, contabilidade, alfabetização até manicure. Eram pessoas cuja idade variava de 14 a 40 anos, de baixa renda, que viam a sua primeira oportunidade de educação.”
Esta experiência duraria apenas alguns meses. Em 1969 Maria Nilde foi afastada sem maiores explicações e a diretora do colégio vocacional de Americana foi descomissionada. Depois da invasão do dia 12 de dezembro, das prisões e interrogatórios, a Comissão Especial de Investigações conclui que, se a equipe do vocacional não era subversiva, o método era.
Ovo choco. A experiência foi encerrada e os estabelecimentos de enquadraram dentro do padrão de escola pública, pobre e limitada. O medo tomou conta de tal forma que até mesmo os painéis pintados pelos alunos no colégio de Batatais, contando a história da cidade, foram raspados para que não restasse nenhum vestígio de criatividade e participação.
Um operário do curso noturno, ao saber que não haveria mais curso, definiu bem a situação: “Bem que eu estava desconfiando de que era demais para continuar. Pobre, quando encontra um ovo, está choco”.
Hoje Maria Nilde Mascellani acredita que o vocacional serviu para despertar os técnicos e professores para uma nova visão de educação. “Mas eu não retomaria essa experiência. Uma experiência exige clima de liberdade e tem que ser adequada ao momento histórico. Os novos tempos exigem novas experiências. Além disso, acho que nós evoluímos no sentido de perceber e descobrir novas dimensões e problemas de educação.” Sua proposta atualmente é um trabalho com caráter popular, ligado às organizações populares. Não que ela despreze a educação a nível institucional, ou não veja a validade dela. “Mas para isso seria necessário que nós voltássemos a uma democracia.”

ISTOÉ 26/12/1979
















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